Como viver em sociedade influencia nossos comportamentos individuais?
04/04/2019 | por cidadeativa
*Texto publicado originalmente no Archdaily Brasil e Mobilize*
Essa pergunta já pode ter passado pela sua cabeça e ela é, de fato, objeto de reflexão de pesquisadores de diversas áreas, incluindo filosofia, ciências sociais e psicologia. Atualmente, somos mais de 4 bilhões de pessoas que vivem em áreas urbanas, índice que aumenta a cada ano. A vida em comunidade traz grandes desafios e, para coordenar muitos deles, os grupos estabeleceram uma série de princípios e padrões que estimulam um senso comum entre os indivíduos.
Muitas vezes, não pensamos sobre as nossas ações cotidianas como, por exemplo, abrir o guarda-chuva para não se molhar enquanto caminha, correto? Parece uma atividade óbvia. Segundo estudos de ética comportamental, no campo das ciências sociais, esse comportamento indica uma ação independente em comparação com os outros indivíduos que dividem o mesmo ambiente que o seu. Agora, imagine outra situação: há uma fila de pessoas aguardando a entrada no metrô, quando o veículo chega na estação, as pessoas da fila aguardam as que querem sair para ingressarem no trem, nesse caso, são ações interdependentes. A distinção entre esses dois atos se dá pelo fato que em ações independentes a prática procede somente da convicção pessoal do cidadão, enquanto que seu comportamento não é motivador o suficiente para outra pessoa fazer o mesmo. Já em ações interdependentes, há intenção em coordenar o ato com outras pessoas, como em uma prática coletiva, já que a ação de outro membro irá influenciar diretamente no seu comportamento.
Ainda, esses tipos de ações (independentes e interdependentes) não são os únicos fatores determinantes para o comportamento social das pessoas. Nossas comunidades são formadas a partir de crenças culturais, religiosas e diferentes aspectos sociais e econômicos e essas condições são acompanhadas de expectativas sociais. Essas expectativas podem ser definidas de três formas:expectativas empíricas, caracterizada pela convicção do indivíduo em relação ao que outras pessoas da sua comunidade fazem, que pode ser constatada por meio da observação ou informações confiáveis; expectativas normativas, relacionada diretamente com o que as outras pessoas pensam em como o indivíduo deveria agir; e princípios normativos pessoais, em como o indivíduo acredita que ele – ou a comunidade em geral – deveria agir.
Isto é, a credibilidade entre os indivíduos é fundamentada por uma rede de referência onde seus integrantes, cujas opiniões são significativas para outros membros da comunidade, podem induzir a adoção – ou não – de determinadas práticas. A rede de referência pode ser estruturada a partir de 3 modelos: rede centralizada, quando há presença de um líder central que é o único elo de conexão com outras pessoas; rede descentralizada, quando há uma rede central e outros grupos menores, sendo que os líderes de cada rede conectam com o núcleo central, fazendo com que apenas os representantes se comuniquem entre si e; rede distribuída, onde todas as pessoas têm uma ou mais conexões com outros indivíduos do grupo.
Reconhecer e aplicar esses conceitos em práticas que buscam melhorar a qualidade de vida das pessoas, seja em intervenções urbanas no espaço público, elaboração de políticas públicas ou até em campanhas de conscientização, é fundamental para compreender quem são as pessoas que serão impactadas e como elas gostariam que a mudança acontecesse. Perguntas elementares como “Quais comportamentos serão impactados com essa ação?”, “Quais são as convicções das pessoas nessa comunidade?”, “Como atuar nesse território sem descaracterizar a identidade local?” são questões importantes que devem ser consideradas para aumentar a probabilidade de sucesso e alcance do objetivo da intervenção.
Em experiências da Cidade Ativa, particularmente na iniciativa Olhe o Degrau Jardim Nakamura, foi possível confirmar a existência clara de uma rede de referência entre os membros da comunidade: durante o processo de transformação da escadaria, o processo de articulação com lideranças e grupos de artistas locais transmitiram segurança às pessoas que vivem no local, o ponto de vista desses atores foi indispensável para certificar que, transformar a escadaria, seria algo positivo para o bairro. A consequência desse vínculo foi que os moradores (adultos e crianças), comunidade escolar, grafiteiros, comércio local e poder público se engajaram durante as oficinas e, juntos, executaram melhorias no espaço em prol do bem comum.
Analisar, observar e processar o resultado da existência ou não desses comportamentos (expectativas empíricas, normativas e condições para acontecer tal prática) compõe uma norma social, onde são estabelecidas regras que garantem o convívio entre as pessoas da comunidade e expressam o que é socialmente aceito ou não, seja positivo ou negativo. Seguir certa diretriz está vinculada à uma série de motivações que podem divergir de uma comunidade para outra, dependendo de suas convicções. No entanto, há um estímulo que afeta igualmente todos os indivíduos: buscar aprovação de um grupo de pessoas com opiniões que inspiram o indivíduo ou, ainda, uma busca por identidade em pertencer a um conjunto de pessoas. Igualmente, a rede de referência desempenha um papel importante para incentivar em como os comportamentos que serão desenvolvidos.
A gama de fatores considerados como responsáveis por moldar um comportamento é ampla e há mecanismos de pesquisa que permitem identificá-los ou até mesmo moldá-los para melhorar ou transformar atitudes negativas de uma comunidade. Para compreender como determinados grupos de pessoas agem, é preciso verificar gradualmente as seguintes etapas:
- Observar o comportamento atual da comunidade e sua periodicidade, que permite dimensionar se as pessoas daquele local sabem que aquele padrão existe e em quais condições essa prática acontece;
- Avaliar o que as pessoas pensam que outras pessoas em sua rede de referência fazem ou como agem, que apresentam quais são as expectativas empíricas do grupo pesquisado;
- Avaliar o que os indivíduos acreditam que as pessoas da rede de referência acreditam que eles deveriam fazer, onde revela aspectos de expectativas normativas;
- Avaliar em que condições os indivíduos seguem determinado comportamento ou não, que pode trazer indícios de quais componentes poderiam ser modificados. Para auxiliar na tarefa, há sugestões de criar cenários hipotéticos da mudança desejada, para compreender se será bem aceita ou não pela população pesquisada.
Esse método de avaliação pode acontecer também durante e após a mudança, o que ajuda na identificação de situações que estão persistindo ou não, em que condições elas prosperam e se a transição de comportamento está favorecendo a vida em comunidade de maneira positiva ou negativa. Independente do tipo de ação, campanha ou implementação de políticas, é necessário considerar que aquele grupo de pessoas possui uma estrutura de ideias, valores, crenças e estereótipos que as auxiliam a organizarem e entenderem o mundo em que vivem, compartilhando essas estruturas entre os membros. Podem existir pessoas dispostas a mudar a maneira com que compreendem esse cenário em que vivem, mas podem não se sentir seguras em fazer por falta de incentivo da rede de referência, ou parte dela, em avançar com as transições de comportamento.
A nossa sociedade está em constantes mudanças: econômica, tecnológica, social, política, e tantas outras. Todas elas afetam de maneira única o comportamento de cada pessoa e como ela irá se relacionar com o ambiente à sua volta. Para que possamos caminhar rumo à cidades feita para pessoas, precisamos contemplar os cidadãos como ponto focal na transformação dos espaços, entendendo suas dinâmicas, necessidades e vontades e, ao realizar essa leitura atenta das pessoas nos espaços, podemos incentivar paisagens mais saudáveis e igualitárias.
Referências:
- World Urbanization Prospects (2017). United Nations.
- Ajzen, I., Albarracín, D., & Hornik, R. (Eds.). (2007). Prediction and change of health behavior: Applying the reasoned action approach. Psychology Press. Mawah, NJ: Lawrence Erlbaum Associates, Inc.
- Berkowitz, A. D. (2005). An overview of the social norms approach. In Lederman, L., Stewart L.,Goodhart, F., & Laitman, L. (Eds), Changing the culture of college drinking: A socially situated health communication campaign, 193-214. Hampton Press.
- Bicchieri, C. (2016). Norms in the Wild: How to Diagnose, Measure and Change Social Norms. Oxford University Press
- Bicchieri, C., Lindemans, J. W., & Jiang, T. (2014). A structured approach to a diagnostic of collective practices. Frontiers in Psychology, 5.