A importância dos deslocamentos ativos na infância e adolescência
03/07/2017 | por cidadeativa
*Texto publicado originalmente no Archdaily Brasil e Mobilize*
A escola faz parte do cotidiano das crianças e adolescentes, mas muito do que acontece além da sala de aula pode influenciá-los. Caminhar até a escola é uma atividade capaz de educar e auxiliar na formação do aluno, despertando novos olhares para os espaços públicos da cidade. Mas como andam as nossas crianças e adolescentes?
A pesquisa Changes in Travel to School Patterns Among Children and Adolescents in the São Paulo Metropolitan Area analisou os meios de locomoção de crianças e adolescentes em São Paulo em 1997 e 2007. Considerando as crianças na faixa dos 6 aos 11 anos e os adolescentes na faixa dos 12 e 17 anos, os pesquisadores viram uma queda de 10 pontos percentuais no uso do transporte ativo pelos pequenos.
Os pesquisadores Thiago Hérick de Sá e Leandro Martin Totaro Garcia, do departamento de nutrição da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, justificam essa queda através de diversos fatores, como a facilidade de se comprar um carro no Brasil, ou a otimização da rotina familiar. Thiago explica que os pais fazem o planejamento da casa baseado no trabalho: “a mãe ou o pai pegam o carro, deixam o filho na escola e vão trabalhar”.
A pesquisa também usou a renda familiar para analisar o comportamento das crianças e adolescentes. Thiago acredita que “o transporte ativo no Brasil é menos uma opção e mais uma necessidade para as famílias mais pobres”. De 1997 a 2007, os deslocamentos ativos entre as crianças de classes mais altas passaram de 40% para 22%, enquanto as classes mais baixas aumentaram de 70% para 76%.
Para Irene Quintáns, urbanista e diretora da Red OCARA, rede latinoamericana de projetos de arte, arquitetura, espaço público, mobilidade urbana nos quais participam crianças, a necessidade também é um fator. “Uma pessoa que mora na periferia vai matricular o filho na escola mais perto de casa. As classes mais altas podem escolher a escola”.
O transporte público fica em terceiro lugar entre as crianças, representando apenas 4%, em 2007. Leandro justifica esse número pelo fato da racionalização do espaço e pela proximidade da escola com o domicílio, além da idade também influenciar. Entre os adolescentes, houve queda de 1% entre 1997 e 2007, atingindo 17%.
Os resultados também provam que pouco foi feito para melhorar a mobilidade independente de crianças e adolescentes na cidade. Irene, que fez pesquisas sobre mobilidade em escolas de Paraisópolis e Jardim Ângela, aponta vários fatores pelos quais os pais dos alunos optam pelo veículo motorizado para seus filhos, principalmente o transporte escolar: a percepção da insegurança no caminho – relacionada à travessia de vias com muito tráfego, ao morar longe – a média das distâncias são curtas, mas a impressão é maior por conta da topografia e do tráfego, além da topografia acentuada e incompatibilidade de horários com o trabalho dos pais.
As políticas públicas são uma solução para aumentar os deslocamentos ativos na cidade. Para Thiago, é importante ter uma prioridade clara para que os resultados possam ser sentidos em diversos âmbitos. “É preciso que as crianças explorem a cidade. Isso é um princípio, a partir dele definimos um pacote de políticas”.
O uso cada vez maior do transporte privado pode ter consequências também para a saúde. O sedentarismo, a obesidade e as doenças como diabetes são cada vez mais comum entre os mais novos. Thiago, formando em Educação Física, conta que estudos apontam que crianças que se exercitam têm um desempenho escolar melhor.
O impacto também pode ser sentido no desenvolvimento pessoal e em sua relação com a cidade. Irene Quintáns conta que a criança que vai de carro para a escola tem outro olhar sobre a cidade: “Se lhe pedem um desenho do seu trajeto, ela vai desenhar uma linha reta. A criança que vai a pé, vai desenhar a padaria, o sacolão e a casa dos amigos”. Leandro acredita que a experiência de andar pelas ruas ajuda na formação da pessoa. “Ser pedestre ou ciclista exige algumas habilidades. Isso tudo é um processo educativo e essa independência da mobilidade passa por essas fases de aprendizagem também”, explica.
Há diversas iniciativas que buscam levar o aprendizado de dentro da sala de aula para o lado de fora, como a Cidade EducATIVA, através de atividades de urbanismo que incentivam os estudantes a terem novas percepções da cidade a partir do deslocamento a pé. Em uma recente experiência, constatou-se que muitos alunos nunca haviam caminhado no entorno do colégio.
Mais pessoas do lado de fora atraem mais pessoas do lado de fora. Leandro acredita que “o fato de estar caminhando e ter mais uma pessoa na rua torna aquele lugar mais seguro, mas também o torna mais socializável”. Crianças e adolescentes não se sentem em um ambiente seguro quando as ruas estão vazias. Isso gera insegurança e a falta da noção de comunidade dentro dos bairros. Segundo Thiago, “sempre falamos que queremos tirar as crianças da rua, mas não queremos isso. Queremos que as crianças fiquem ali”.