Você sabe o que é necessário para promover o uso da bicicleta como meio de transporte nas cidades brasileiras?

07/05/2018 | por cidadeativa

*Texto publicado originalmente no Archdaily Brasil*

Como já tem sido discutido em diversos países do mundo, a promoção da bicicleta como meio de transporte tem diversos benefícios para as cidades e seus cidadãos, tais como: redução de doenças crônicas (como hipertensão e doenças cardiorespiratórias), taxas menores de sobrepeso e obesidade, menos mortes e lesões no trânsito, níveis mais baixos de poluição do ar, entre outros. Apesar de constantemente disseminados todos esses impactos positivos, na América Latina menos de 10% [1] da população adulta usa a bicicleta como meio de transporte, enquanto que em países europeus como Holanda e Dinamarca, esse número ultrapassa 25% das viagens [2].

Crédito: Cidade Ativa

Com o objetivo de melhor compreender a relação entre ambiente construído e promoção da bicicleta no Brasil, um estudo [3] buscou entender as associações entre uso da bicicleta como meio de transporte e ciclovias e transportes de massa na cidade de São Paulo. A pesquisa foi

liderada pelo professor Alex Florindo [4] e teve a colaboração de pesquisadores do GEPAF-USP e de professores e pesquisadores do Departamento de Geografia da FFLCH-USP, do Departamento de Epidemiologia da FSP-USP, do Departamento de Medicina Preventiva da FM-USP e de pesquisadores Australianos, sendo apoiada pela FAPESP. O estudo utilizou os dados disponíveis na plataforma Geosampa e do Inquérito de Saúde de São Paulo (ISA) realizado em 2015, a partir do qual os pesquisadores verificaram a quantidade e distância das estruturas de transporte no entorno das residências dos entrevistados e a prática de atividade física.

Os resultados revelaram que o uso da bicicleta como meio de transporte é 154% maior quando os paulistanos moram a menos de 500m de uma ciclovia ou ciclofaixa. Em São Paulo, geralmente são diversas a barreiras para acessar à rede cicloviária, como a presença de vias com velocidades acima de 40km/h, e que acabam desencorajando a escolha pelo modal.

Além disso, concluiu-se também que a presença de estações de metrô e trem a distâncias maiores que 500m das residências aumentam o uso da bicicleta como meio de transporte em 107%, independente de gênero, idade, nível de educação ou localização da moradia. Apesar da associação, o recorte da pesquisa não permite afirmar se há relação do dado com a presença de bicicletários nas estações ou se a ausência de associação relevante entre o uso da bicicleta como meio de transporte e a presença de estações de trem e metrô a menos de 500m das residências poderia ser explicada pelo uso do modo a pé ser mais conveniente nesses casos.

Segundo Alex Florindo, um dos autores do estudo, ainda são muitos os fatores a serem pesquisados nas cidades brasileiras para que possamos de fato entender como promover a mobilidade por bicicleta. “Precisamos verificar melhor a influência de um sistema que trabalhe com ciclovias ligadas às estações de metrô e trem, junto com estacionamentos de bicicletas que funcionem. Itens mais complexos são a ampliação dos horários de circulação com bicicletas em vagões de metrô e trem. Mas precisamos estudar também intervenções para o incentivo ao uso de bicicleta em famílias, por exemplo, os programas de ciclofaixas nos finais de semana e também ligar estes programas as escolas.”, contou Alex.

Por fim, o estudo também revelou que o uso da bicicleta como meio de transporte é mais comum em famílias que possuem bicicleta, o que indica a necessidade de mais políticas para aumentar o poder de compra de bicicletas no Brasil e melhorar os programas de compartilhamento de bicicletas com baixos custos. Em 2017, o Senado colocou em consulta pública a PEC 27/2015, que propõe a isenção de todos os tributos relativos à bicicleta.

A pesquisa é colocada pelos próprios pesquisadores como um passo inicial nessa descoberta, já que a escolha pela bicicleta no dia-a-dia passa por inúmeros fatores: a disponibilidade de infraestrutura cicloviária, as condiçòes de segurança, a praticidade, a distância a ser percorrida, entre outros. Nesse sentido, outro estudo que buscou entender as motivações de quem pedala é a Pesquisa do Perfil do Ciclista [5], feita pela Ciclocidade em 2015, que revelou que quase metade dos paulistanos que usam a bicicleta como meio de transporte o fazem porque é mais rápido e prático.

Crédito: Cidade Ativa

A evidência da associação do ambiente construído e o uso da bicicleta como meio de transporte indica a importância desse tipo de estudo para formulação e priorização de políticas públicas na área de mobilidade e saúde. Por isso, se faz necessário criar ainda mais pesquisas e estudos como esses, construindo evidências para que a promoção da mobilidade ativa nas cidades brasileiras seja uma realidade.

Referências:

[1] Transport and health: A look at three Latin American cities. Cad. Saude Publica 2013, 29, 654–666. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/23568296
[2] The bicycle as a feedering mode: Experiences from three European countries. Transp. Res. 2004, 9, 281–294. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S1361920904000100?via%3Dihub
[3] Cycling for Transportation in Sao Paulo City: Associations with Bike Paths, Train and Subway Stations. Int. J. Environ. Res. Public Health, 2018. Disponível em: http://www.mdpi.com/1660-4601/15/4/562
[4] Alex Antonio Florindo é formado em Educação Física pela Universidade Camilo Castelo Branco em 1996 com Doutorado em Saúde Pública em 2003 pelo Departamento de Epidemiologia e Pós-Doutorado em Saúde Coletiva em 2005 pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo e pela Melbourne School of Population and Global Health – University of Melbourne, Austrália em 2016. É Professor Associado da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo, onde fez a Livre-Docência no ano de 2009. É Professor de epidemiologia da atividade física no curso de graduação em Educação Física e Saúde e nos cursos de pós-graduação em Ciências da Atividade Física e de Nutrição em Saúde Pública da Universidade de São Paulo. É líder do Grupo de Estudos e Pesquisas Epidemiológicas em Atividade Física e Saúde (GEPAF) da Universidade de São Paulo. É o presidente eleito da Sociedade Brasileira de Atividade Física e Saúde (gestão 2018-2019).
[5] Pesquisa Perfil do Ciclista, 2015. Disponível em: https://www.ciclocidade.org.br/noticias/809-pesquisa-perfil-de-quem-usa-bicicleta-na-cidade-de-sao-paulo-relatorio-completo