
Como o desenho urbano pode salvar vidas?
maio 26, 2017 | por cidadeativa
Quando a questão sobre mortes e lesões no trânsito é colocada em pauta, rapidamente a associamos aos limites de velocidade. Especialistas do mundo todo concordam que essa é uma medida que assegura a segurança viária: quanto maior a velocidade do veículo, menor a chance de sobrevivência em um impacto. Por exemplo, ser atingido por um veículo a 80km/h é mesmo que cair de uma altura de 9 andares. Mas, se as velocidades são indicadas por placas de trânsito, qual é então o papel do desenho urbano na segurança e proteção das pessoas?

A verdade é que o desenho viário interfere diretamente no comportamento dos motoristas. Se, para garantir o fluxo eficiente de veículos, uma via é projetada com largas dimensões de faixas de rolamento, sem travessias, ou com grandes raios de curvatura em esquinas, adotar somente um sistema de sinalização não é suficiente para que o veículo trafegue em velocidade baixa. É por isso que existem diversas medidas físicas que podem ser adotadas nas ruas das nossas cidades para garantir a segurança de quem caminha, de quem pedala e de quem dirige.

Várias cidades ao redor do mundo estão adotando medidas para melhorar a segurança viária e evitar mortes e lesões no trânsito. Uma iniciativa amplamente difundida é a “Visão Zero”, iniciada na Suécia, que define que nenhuma vida perdida no trânsito é aceitável, apresentando o redesenho viário como solução para salvar vidas. Além disso, ela aponta diversos atores responsáveis pelas ocorrências, como engenheiros e planejadores urbanos, além dos motoristas.
É nesse contexto que surge o Global Street Design Guide (Guia Global de Desenho Viário), um documento desenvolvido pela NACTO e lançado em outubro de 2016, que aborda diversos conceitos e possibilidades de transformação das cidades a partir da priorização de pedestres e ciclistas.
O manual é estruturado a partir de três grandes seções:
– Sobre as ruas: seção que discute porque as ruas são importantes, processos envolvidos no desenho e implementação de projetos viários e maneiras para medir e avaliar ruas e intervenções viárias;
– Orientações para o desenho viário: seção que discorre sobre a importância de considerar o contexto e cultura locais na concepção de projetos, maneiras para identificar os diferentes grupos de usuários e desenhar estratégias para suas necessidades, além de estratégias de gestão e operação e parâmetros para intervenções viárias;
– Transformação das ruas: seção que identifica possíveis reconfigurações viárias para diversos tipos de ruas e interseções, além de estudos de caso que revelam como cidades no mundo transformaram suas ruas.
A seguir destacamos algumas estratégias presentes no guia para medir e analisar e, assim, subsidiar projetos para espaços plenos, justos e equitativos para todos os usuários do sistema viário.
+ COMO ANALISAR RUAS
As ruas devem ser compreendidas como redes de transporte e espaços públicos que se conectam e podem abrigar uma grande diversidade de atividades como caminhar, pedalar, sentar em um bar ou café, celebrar, fazer compras, encontrar amigos, relaxar etc. Quando essa diversidade de uso e usuários é contemplada no projeto de desenho viário, ela gera uma cidade voltada à escala das pessoas, que prioriza os pedestres e que, portanto, garante a segurança de todos os demais usuários.

Para que a geometria de via tenha uma distribuição igualitária e eficiente do espaço, algumas etapas de análise nas mais diferentes escalas podem trazer subsídios para o projeto:
– Escala do bairro: analisar o contexto no qual a via está localizada, levantando dados como demografia, densidade, história e cultura, uso do solo, acesso e mobilidade, conectividade, dimensão das quadras da malha urbana, segurança viária, ecossistemas, probabilidade de desastres naturais, topografia, saúde pública;
– Escala da via: analisar atividades que ocorrem ao longo do dia, presença de mobiliário urbano, respeito à escala humana, prioridade aos pedestres, fachada ativa, transparência, número de entradas, mobilidade, sistema alternativo de drenagem, clima, gestão das calçadas, infraestrutura.
-Escala dos usuários: Identificar os usuários da via (pedestres, ciclistas, transporte público, veículos motorizados individuais, veículos de carga e comércio local e de rua), comparar a velocidade média de deslocamento desses usuários, estabelecer entre eles uma relação de distância percorrida dentro do mesmo período de tempo e identificar as diferentes escala dos usuários e dimensão que cada um representa na ocupação da via.
+COMO MEDIR RUAS
Durante décadas, as ruas foram medidas através do fluxo de veículos e avaliadas para garantir a segurança dos motoristas. Hoje, há clareza de que a mobilidade deve ser medida considerando o fluxo e segurança de todos os usuários.

Qualquer transformação nos espaços públicos deve considerar etapas de leitura do lugar antes e depois das intervenções previstas, para que seja possível medir seu impacto e avaliar se objetivos do projeto foram alcançados, sendo desejável coletar dados sobre:
– Mudanças físicas e operacionais: dados quantitativos como quilômetros de ciclovias ou calçadões, área de calçadas requalificadas ou número de árvores plantadas;
– Mudanças de uso e função: quantidade de novos usuários, melhorias no tráfego e infraestrutura (gestão de água e geração de energia) ou mudanças de comportamento;
– Impactos das mudanças: dados quantitativos e qualitativos antes, durante e depois das intervenções podem trazer indicadores relevantes para a mudança realizada, como mudança das percepções, fluxos e permanências dos usuários.
Cada contexto vai permitir métricas diferentes, sendo necessário avaliar quais dados devem ser coletados no local. Além disso, é importante identificar se há dados existentes e disponíveis que possam ser incorporados à avaliação.
*Texto publicado originalmente no Portal Mobilize.
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